A biografia abaixo é um resumo do excelente site http://members.tripod.com/~Mirabelli/
de Philippe Piet van Putten. Este resumo tem o objetivo de apresentar o
contexto histórico do artigo de jornal transcrito logo na seqüência. O artigo
publicado no jornal "O Estado de São Paulo" de 18 de maio de 1916 foi
localizado em pesquisa no Arquivo do Estado de São Paulo em busca de referências ao
Espiritismo na imprensa paulistana.
Biografia de Carlos Mirabelli
Carmine
Mirabelli nasceu em Botucatú, São Paulo, Brasil, em 2 de Janeiro de 1889. Foi o
primeiro filho do casamento do pastor protestante italiano Luigi Mirabelli com
Christina Scaccioto Mirabelli. Teve uma irmã, Tereza Mirabelli Eugenio (1891 –
1971).
Perdeu sua mãe muito cedo e se acredita que isto
tenha ajudado a desenvolver sua sensibilidade parapsicológica. Em 22 de
fevereiro de 1914, logo após a morte de seu pai, e uma completa ruína
financeira, Mirabelli ficou doente e uma extraordinária paranormalidade
floresceu. Costumava dizer que seu falecido pai era sua “Estrela Guia”
espiritual. Não era espírita (uma forma de espiritualismo), mas alegava poder
ver os espíritos dos pais, de um tio, de sua sogra e de uma filha.
Mirabelli estudou no Grupo Escolar Cardoso de
Almeida, em Botucatú, no Colégio São Luiz, em Itú (SP) e no Colégio Cristovam
Colombo, em São Paulo (SP), mas logo deixou a escola. Certa vez, o menino
impressionou muito seus professores e colegas ao falar sobre o tema “Evolução e
Involução” em puro latim, porém sem conhecer o idioma.
Em 1916, os jornais de São Paulo disseminaram os
estranhos feitos do “Homem Misterioso”, também conhecido como Carlos ou Carlo
Mirabelli. Em 1914 ele trabalhava para a Companhia de Calçados Villaça quando
foi apanhado de surpresa por bizarros fenômenos, semelhantes ao que conhecemos
hoje como “poltergeists”. Apenas quando estava presente, os sapatos
freqüentemente eram vistos saltando das prateleiras por si mesmos ou se movendo
como se fossem animados. Mirabelli não compreendia porque isso acontecia, mas
muitos clientes horrorizados atribuíam os fenômenos ao Diabo. Mirabelli foi
considerado pelas pessoas como possuído pelo demônio e apanhou nas ruas. Sua
casa foi apedrejada por fanáticos religiosos.
Ficou internado por 19 dias no Manicômio do
Juqueri, sendo constatado pelos Drs. Francisco Franco da Rocha e Felipe Aché
que tinha uma “energia nervosa” acima do normal. Com a ajuda de ilustres
pesquisadores dos fenômenos psíquicos, como o famoso médico Dr. Alberto de Melo
Seabra, Mirabelli se conscientizou da importância de seus raríssimos dons
psíquicos e decidiu se submeter a sessões espíritas experimentais.
Diz-se que Carmine Mirabelli podia gerar uma
imensa variedade de fenômenos; Acredita-se que muitos dos seus fenômenos
resultavam de suas próprias forças psíquicas, sem o envolvimento de entidades
espirituais. Mas é sabido que também conhecia alguns ingênuos truques de
prestidigitação.
Mirabelli e sua família foram várias vezes
vitimados pelos fenômenos. Objetos voavam ao redor e os atingiram em muitas
ocasiões. O médium não controlava os fenômenos mas quando ficou mais velho
conseguia refrear o fluxo de suas energias psicobiofísicas, reduzindo os
riscos.
Mirabelli teve quatro casamentos. Do primeiro com
a Sra. Carmem Guerreiro, teve dois filhos, Diva Cristina Mirabelli e Luiz
Mirabelli. Do segundo, com a Sra. Edméa de Paiva Magalhães, não teve filhos. Do
terceiro, com a Sra. Maria do Carmo Pinto Pacca, nasceu Regene Pacca Mirabelli
e do último, com a Prof. Amélia Loureiro, veio à vida César Augusto Mirabelli.
Mirabelli tinha diabete. Apreciava a natureza e
gostava de fumar charutos e cachimbos.
O médium foi preso várias vezes acusado de
exercício ilegal da medicina, furto e também por perseguições políticas, mas
mesmo na cadeia fascinava as pessoas com seus incríveis fenômenos e com sua
generosidade. Era muito eloqüente e comunicativo.
Por certa fase de sua vida Mirabelli chegou a
cobrar por seus serviços mediúnicos, desagradando os espíritas.
Por muitos anos, o médium só conseguia dormir em
quartos iluminados. Temia a ocorrência de fenômenos desagradáveis enquanto
dormia.
Ao contrário do que muitos imaginam, Mirabelli não
perdeu seus estranhos dons ao ficar velho e doente. Existem relatos de que os
fenômenos foram observados até 1950, poucos meses antes de sua morte.
Na segunda-feira, 30 de abril de 1951, Carmine e
seu filho César Augusto tinham saído de casa, que ficava em São Paulo, SP, à
Rua Antonio Lourenço 106. O médium resolveu atravessar a Av. Nova Cantareira
para comprar leite, enquanto o menino ficou conversando com um engraxate.
Subitamente “um Ford preto 1938” segundo as recordações de César, surgiu de uma
esquina e atropelou o pai, colocando-o num permanente estado de coma. Segundo o
atestado de óbito, assinado pelo Dr. Souza Lima e registrado no Cartório Jardim
Paulista, Mirabelli teve fratura no crânio e faleceu no Hospital das Clínicas
de São Paulo.
O corpo de Carmine Mirabelli foi sepultado na
tarde de 1º de maio de 1951 na humilde campa 155, da quadra 27, no Cemitério
São Paulo.
Médium ou Prestimano ?
Jornal "O ESTADO DE SÃO
PAULO", 18 de maio de 1916
Ultimamente os jornais tem-se ocupado muito dos
fenômenos espíritas. É natural a despeito de se tratar de coisas espantosas. Um
aspecto novo parece querer obrigar a humanidade a convencer-se de sua condição
frágil e da eterna verdade de que os sábios trocariam com muito prazer o que
sabem, por tudo aquilo que ignoram.
Nem todos os enigmas da vida, é claro, conservam
até o fim o seu profundo mistério. Alguns, porém, não conseguem ser explicados
pelas próprias pessoas que os consubstanciam.
O Sr. Carlos Mirabelli, que se acha em São Paulo
há algumas semanas, é objeto de estudo de alguns apaixonados das ciências
ocultas.
O Sr. Carlos Mirabelli é um homenzinho de barba romântica,
olho aceso e face emaciada, Vimo-lo uma noite, numa residência particular no
meio de um auditório cheio de silêncio e de ânsia, que aguardava o momento
bendito em que iam chegar as correntes fluídicas.
Quando entramos, olhou-nos e a nosso companheiro
com uma expressão de enfado. Quinze minutos depois pedia ao dono da casa que
nos levasse para outra sala, visto como o nosso cepticismo, estava sendo um
obstáculo à manifestações dos fluidos vitaes. Saímos e fomos nos juntar a um
grupo de pessoas que estavam num largo aposento, onde o médium devia exibir as
forças magnéticas de que se diz dotado.
Afinal, esta noite o Sr. Mirabelli não fez mais do
que os que fizeram seus convidados. As vezes levantava-se, agitava o fraque
curto, enfiava os longos dedos pela farta cabeleira, olhava para nós meio que
desconfiado e acabava dizendo:
"- A coisa não quer vir mesmo ..."
Não obstante o negativismo de alguns, pessoas
entre as que formavam o auditório, afirmaram-nos que o médium era uma criatura
excepcional tendo realizado na sua presença coisas espantosas. O fato de não
poder naquela noite operar uma reprodução era comum.
Quando os sentimentos de simpatia não se irmanam
os fenômenos deixam de produzir-se. Isto nos veio convencer de que todos os
presentes estavam com a pulga atrás da orelha. ...
Depois desta noite o Sr. Mirabelli parece ter-se
reabilitado perante alguns daqueles cavalheiros que tanto desejavam assistir ao
desenvolvimento dessas forças ocultas. Fez, ao que dizem, descer vários copos
que havia em cima de uma mesa, vindo os mesmos parar no assoalho com lentidão e
leveza. Com um olhar fez despencar uma ruma de papéis, mover um lápis dentro de
um copo, caminhar por seus próprios pés algumas cadeiras.
Isto espalhou-se logo pela cidade e nestas três
últimas semanas as façanhas do Sr. Mirabelli são a questão magna, o assunto de
todas as conversações.
Todavia, nem todos acreditam nas maravilhas do Sr.
Mirabelli.
Vamos ver o que o homem faz diante desse desafio,
que chega até a formidável acusação de terem nossos colegas "encontrado um
dos instrumentos com que logrou ele gozar de prestígio".
Que instrumento seria esse ?
(não há indicação do autor do artigo)
ARQUIVO DO ESTADO DE SÃO PAULO
CÓD. 01.02.038 - O Estado de São Paulo - 1916
(Publicado no Boletim GEAE Número 474 de 27
de abril de 2004)
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