Em março de 1848 aconteceram, no pequeno povoado de
Hydesville, nos Estados Unidos da América do Norte, os primeiros fenômenos
espíritas dos tempos modernos, o que representou o prelúdio do advento da
Doutrina Espírita, consumada com a Codificação Kardequiana.
Em 11 de Dezembro de 1847, a família Fox instalou-se em
modesta casa de Hydesville, Estado de Nova York, distante cerca de 30 km da
cidade de Rochester. O grupo compunha-se do chefe da família, John Fox,
da esposa Margareth Fox e duas filhas; Kate e Margareth, então adolescentes. O
casal possuía outros filhos. Entre estes, convém destacar Leah, que morava em
Rochester, onde lecionava música. Leah escreveu um livro, The Missing
Link, em 1885, no qual faz referência às faculdades paranormais de seus
parentes anteriores.
Inicialmente os Fox não sofreram nenhum incômodo em sua nova
residência. Entretanto, algum tempo depois, mais precisamente nos dois
primeiros meses de 1848, os mesmos ruídos insólitos que perturbaram os antigos
inquilinos voltaram a manifestar-se outra vez. Algum tempo após essa mudança,
seus ocupantes passaram a ouvir arranhões, ruídos insólitos e pancadas,
vibradas no forro da sala, no assoalho, nas paredes e nos móveis, os quais
passaram a constituir verdadeira preocupação para aquela humilde família.
Tais ruídos cresceram de intensidade a partir de meados de
março de 1848. Batidas mais nítidas e sons semelhantes ao arrastar de móveis
começaram a fazer-se ouvir, pondo as meninas em sobressalto, a ponto de
negarem-se a dormir sozinhas no seu quarto e quererem dormir no quarto dos
pais. A princípio, os habitantes da casa, incrédulos quanto à possível origem
sobrenatural dos ruídos, levantavam-se e procuravam localizar a causa natural
do fenômeno. Lucretia Pulver, uma jovem que servira como dama de companhia do
casal Bell, quando este habitou a referida casa até 1846, contou uma curiosa
história de um mascate que se hospedara com os Bells. Numa noite em que o
vendedor passou com aquele casal, Lucretia foi mandada dormir na casa dos pais.
Três dias depois tornaram a procurá-la. Então lhe disseram que o mascate fora
embora. Ela nunca mais viu esse homem. A Sra. Ann Pulver, que mantinha relações
com a família Bell, relata que, em 1844, quando visitara a Sra. Bell, indo
fazer tricô em sua companhia, ouvira uma queixa. A senhora lhe disse que se
sentia muito mal e quase não dormia à noite. Quando lhe perguntou a causa, a
Sra. Bell declarou que se tratava de rumores inexplicáveis; parecera-lhe ter
ouvido alguém a andar de um quarto para outro; então acordara o marido e fê-lo
levantar-se e trancar as janelas. A princípio, explicou à Sra. Pulver que
possivelmente se tratasse de ratos. Posteriormente, confessou não saber qual a
razão de tais rumores, para ela inexplicáveis. Os Bells terminaram por
mudar-se.
Irmãs Fox |
Na noite de 31 de março de 1848, descobriu-se um meio de
entrar em contato com a entidade espiritual que produzia os fenômenos. A filha
menor do casal, Kate, disse, batendo palmas: Sr. Pé Rachado, faça
o que eu faço. De forma imediata, repetiram-se as palmadas. Quando ela
parou, o som também parou. Em face daquela resposta, Margareth, então, disse,
brincando: Agora faça exatamente como eu. Conte um, dois, três, quatro,
e bateu palmas. O que ela havia solicitado foi repetido com incrível
exatidão. Kate, adiantando-se, disse, na sua simplicidade infantil: Oh!
mamãe! eu já sei o que é. Amanhã é primeiro de abril e alguém quer nos pregar
uma mentira. A mãe relatou mais tarde: Então pensei em fazer
um teste que ninguém seria capaz de responder. Pedi que fossem indicadas as
idades de meus filhos, sucessivamente. Instantaneamente foi dada a exata idade
de cada um, fazendo pausa de um para outro a fim de separar até o sétimo,
depois do que se fez uma pausa maior e três batidas mais fortes foram dadas,
correspondendo à idade do menor, que havia morrido. Então perguntei: É um ser
humano que me responde tão corretamente? Não houve resposta. Perguntei: É um
espírito? Se for, dê duas batidas. Duas batidas foram ouvidas assim que fiz o
pedido. Então eu disse: Se for um espírito assassinado dê duas batidas. Essas
foram dadas instantaneamente, produzindo um tremor na casa. Perguntei: Foi
assassinado nesta casa? A resposta foi como a precedente. A pessoa que o
assassinou ainda vive? Resposta idêntica, por duas batidas. Pelo mesmo processo
verifiquei que fora um homem que o assassinara nesta casa e seus despojos
enterrados na adega; que a família era constituída de esposa e cinco filhos,
dois rapazes e três meninas, todos vivos ao tempo de sua morte, mas que depois
a esposa morrera. Então perguntei: Continuará a bater se chamarmos os vizinhos
para que também escutem? A resposta afirmativa foi alta.
Todos ficaram abalados com os acontecimentos. Numa semana a
senhora Fox ficou grisalha. E como tudo sugeria que os fenômenos estivessem
ligados às duas meninas, Margareth e Kate, elas foram afastadas de casa. Mas em
casa do seu irmão David Fox, para onde foi Margareth, e na casa de sua irmã
Leah, onde Kate ficou hospedada, os mesmos ruídos se fizeram ouvir. Leah, a
irmã mais velha, teve de interromper as aulas de música, pois passou também a
ser intermediária dos fenômenos. Descobriu-se que o Espírito comunicante era um
antigo vendedor ambulante de nome Charles Rosma, que, daquele modo, procurava
revelar a sua presença e entrar em contato com as pessoas da casa. O indivíduo
portador desse nome fora, anos antes, assassinado na casa de Hydesville. O
assassinado revelou que havia sido morto com uma faca de açougueiro, cinco anos
antes; que o corpo tinha sido levado para a adega; que só na noite seguinte é
que havia sido sepultado; tinha passado pela despensa, descido a escada, e
enterrado a três metros aproximadamente do solo. Adiantou, também, que o móvel
do crime fora o dinheiro que possuía, cerca de quinhentos dólares. Os mais
interessados em esclarecer o caso resolveram escavar a adega, visando encontrar
os despojos do suposto assassinado. É bom se esclareça que chegaram à
identidade e à história do Espírito por meio de uma combinação alfabética
segundo a qual cada letra era indicada por um certo número de pancadas. Charles
Rosma fora mascate e estava com 31 anos ao ser assassinado naquela casa. O
assassino fora um antigo inquilino. Só poderia ter sido o Sr. Bell. Mas onde a
prova do fato, o cadáver da vítima? A solução seria procurá-lo na adega, onde
estaria enterrado. As escavações, porém, não levaram a resultados definitivos,
pois deram n'água, sem que se tivesse encontrado qualquer indício. Por essa
razão foram suspensas.
No verão de 1848, o próprio Sr. David Fox, auxiliado por
alguns interessados, retomou o empreendimento. A uma profundidade de um metro e
meio, encontraram uma tábua. Aprofundada a cova, encontraram o carvão, cal,
cabelos e alguns fragmentos de ossos que foram reconhecidos por um médico como
pertencentes a esqueleto humano; mais nada. As provas do crime eram precárias e
insuficientes, razão talvez pela qual o Sr. Bell não foi denunciado. Em
23 de Novembro de 1904, o periódico Boston Journalnoticiou a
descoberta, na velha cabana dos Fox, do esqueleto de um homem com todas as
bugigangas próprias de um mascate. Meninos de uma escola achavam-se brincando
na adega da casa onde moravam os Fox, que estava então abandonada, pois tinha
fama de ser mal-assombrada. Em meio aos escombros de uma parede − talvez
falsa − que existira na adega, os garotos encontraram partes de um
esqueleto humano. Junto ao esqueleto foi achada uma lata de uma espécie
costumeira usada por mascates. Esta lata encontra-se agora em Lilydale, a sede
central dos espíritas norte-americanos, para onde foi transportada a velha casa
de Hydesville. Como o leitor pode ver, 56 anos depois dos fenômenos de
Hydesville, em 22 de novembro de 1904, ficou comprovada a história de Charles
Rosma, relatada à família de Kate e Margareth Fox, em 1848.
Ao transferir residência para Rochester, a família de John
Fox deparou com o primeiro óbice: o pastor da igreja metodista, a que
pertenciam, intimou as meninas, sob pena de expulsão, a abjurarem tais
práticas. Essa imposição foi repelida pelas irmãs Fox e, por isso, elas foram
expulsas daquela comunidade religiosa. Em Rochester, as meninas tiveram de
submeter-se a três investigações públicas, realizadas no Corinthian
Hall, e sofreram nas mãos dos investigadores. No decurso das pesquisas,
foram despidas e depois, ao se vestirem, tiveram os vestidos amarrados,
apertados nos corpos, pondo-se elas sobre um piso isolante, afora outras
precauções para se evitar a possibilidade de fraude. No final, as várias
comissões que se formaram com esse objetivo declararam que se ouviram batidas
distintas nas paredes, no assoalho e em outros objetos, estando as irmãs
amarradas. E que suas perguntas, das quais algumas foram feitas mentalmente,
tinham sido respondidas corretamente.
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